sábado, 22 de novembro de 2008

Sítio Nossa Senhora das Neves

Ao tempo dos aguadeiros em Santos, que vendiam água potável pelas ruas da vila, a água de Nossa Senhora das Neves, ou simplesmente das Neves, era a mais procurada e aceita pelas famílias. Conjunto histórico-arquitetônico-arqueológico encontrado no Morro das Neves, área continental de Santos, onde os negros escravos permaneciam por alguns momentos, em preces e invocações por melhores dias, pois não podiam suportar as asperezas da jornada brutal de trabalho escravo, que iam além de suas forças físicas.
Ajoelhados diante da imagem da santa de sua devoção, em súplicas e rogos não para uma vida restauradora, de descanso e paz, mas pelo menos para evitar-lhes uma tarefa intensa e maldosa, que contrariava as suas condições humanas, sem tempo sequer para a tranqüilidade de uma oração, que era feita sempre à pressa, com momentos contados.
O feitor do engenho de Cabraiaquara, um português de má índole, perverso e muito subserviente aos patrões, não dava sossego aos pobres negros e quando eles, extenuados, se reuniam, por momentos, na igrejinha, o vigia lusitano, qual cérbero, os maltratava, por não lhes admitir um momento sequer de repouso.
- "Um dia acabarei com a regalia desses negros, pois eles aqui vêm para fugir ao trabalho do canavial".
Foi o que dele ouviu, um grupo de circunstantes, lá no pequeno templo.
Um dia, a capelinha de Nossa Senhora das Neves foi presa das chamas. Alguém, por perversidade, ateara fogo àquela casa de Deus. De nada valeram os esforços dos negros escravos, que, com água e areia, tentaram dominar o fogo. O templozinho ficou totalmente destruído e, com ele, a imagem de Nossa Senhora das Neves.
Houve o revide. Certos de que a ocorrência fora determinada pelo português, na ânsia de pôr fim aos escassos momentos de sua folga, os escravos se amotinaram e, aos gritos, como que feridos em sua condição de figuras humanas, afluíram ao sítio e puseram fogo na propriedade, cujos donos, por coincidência, se haviam dirigido para Santos.
Tudo ficou à prova do fogo. Antônio Joaquim, prevendo o fim trágico de sua vida, tentou fugir e chegou a mergulhar numa cachoeira, mas um escravo, forte, seguindo-lhe os passos, subjugou-o e levou-o para as proximidades do sítio, onde foi amarrado e submetido ao fogo.
O feitor português, homem forte, ainda tentou salvação nas águas do estuário, mas as pernas não o ajudaram. E ficou ali mesmo, como tocha humana, sucumbindo aos poucos, enquanto lá de cima, do outeiro, um coro de tamborins e gargalhadas festejava pateticamente a morte do algoz.

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